DEMOCRACIA EM TEMPOS DE ATIVISMO DIGITAL
Texto escrito por Mirgon Kayser, Assessor de Marketing na Fundação Cultural Piratini – TVE e FM Cultura, como contribuição ao caderno de textos do Curso de Extensão em Governança, Tecnologia da Informação e Comunicação na Administração Pública da Rede Escola de Governo, do Governo do Estado do RS, através da FDRH, em parceria com a Unisinos.
Tenho
visto algumas discussões acaloradas entre os que defendem que a
internet encerra a necessidade da democracia representativa e os que
defendem que a internet não tem mais a oferecer do que permitir que
os governos façam “consultas” que ao fim e ao cabo não passam
de enquetes oficiais, sem agregar mais do que isso ao processo
democrático.
O
fato é que realmente a internet não irá acabar com a democracia
representativa, entretanto está anos-luz a frente desse conceito de
“enquetes oficiais” apresentado pelos que defendem que a
democracia somente se faz “olho no olho”.
Em
primeiro lugar é preciso resgatar a definição clássica da
democracia, poder do povo (“demos” = povo, “kratos” = poder),
bem como a forma como acontecia na Grécia Antiga: o poder do povo
era exercido através de assembleias populares que reuniam todos os
que eram considerados cidadãos (haviam exceções, como mulheres e
escravos, o que não cabe aprofundar aqui).
A
democracia moderna, surgida no século XVIII, trouxe novos conceitos
sobre a organização democrática. Evidentemente que o modelo
encontrado pelos gregos (e que pelo tamanho das cidades permitia
grandes “assembleias gerais de cidadãos”) já não poderia ser
cogitado. Hoje, em pleno século XXI, tendo em vista o tamanho das
cidades de porte médio (nem precisam ser citados os grandes centros
urbanos e estados federais), imaginar a democracia direta parece algo
para o campo dos sonhos, a seara da utopia, certo? Errado.
Se
a internet de fato não irá acabar com a democracia representativa,
é bem verdade que as novas tecnologias já nos permitem experimentar
dispositivos participativos que nada mais são do que mecanismos de
democracia direta. E a tendência é que vejamos isso aprofundar-se
cada vez mais.
Se
Porto Alegre legou ao mundo nos anos 90 o Orçamento Participativo
como uma experiência de democracia direta em um modelo muito próximo
aos conceitos da democracia clássica, o Rio Grande do Sul da década
de 10 do século XXI está legando ao Brasil o Gabinete Digital como
uma experiência de resgate da democracia direta valendo-se
largamente do casamento entre a velha utopia e as infinitas portas
abertas pelas novas tecnologias.
Respeito
a posição de alguns intelectuais que afirmam que o computador
empobrece as relações humanas e que por isso é daninho a
democracia. Respeito, mas não concordo. Essa é uma visão bastante
limitada e preconceituosa. Limitada porque não percebe que a
internet aproxima os distantes (e não afasta os próximos, como
equivocadamente afirmam). Preconceituosa porque criam teses sobre
aquilo que desconhecem.
Não
há dúvidas de que a democracia direta é muito mais próxima do
conceito ideal de “poder do povo” do que a democracia indireta,
uma adaptação da democracia clássica para que a democracia pudesse
ser aplicável na sociedade pós-século XVIII.
Lembro
de ter ouvido vereadores de Porto Alegre nos anos 90 reclamando que o
Orçamento Participativo era uma afronta ao parlamento municipal,
pois retirava do legislativo da cidade uma de suas principais
prerrogativas, que era justamente definir o orçamento municipal.
Os
poderes representativos não são fins em si próprios, portanto, se
fosse verdade mesmo que um mecanismo como o OP superava e tornava sem
sentido o legislativo municipal, então que fosse. Afinal de contas,
os poderes servem para organizar a sociedade e não a sociedade que
se organiza para que os poderes possam existir. Não estamos
proibidos de construir estruturas democráticas que superem velhas
estruturas.
Acontece
que não se trata de nada disso. Nenhum mecanismo de democracia
direta ameaça qualquer um dos poderes constituídos no Estado. Pelo
contrário, o que de fato acontece é a participação maior da
sociedade, não apenas fiscalizando, mas debatendo, propondo,
questionando e auxiliando portanto, legitimando o trabalho realizado
pelos representantes nos poderes da democracia indireta.
O
século XXI abre novas perspectivas na relação entre a democracia
indireta e a direta. Antes a democracia estava limitada pela
capacidade de “força-bruta” do país. Eleições, referendos,
consultas... O próprio Orçamento Participativo demandava intensa
força-bruta para que pudesse ser realizado.
Entendam
força-bruta como a necessidade de mobilizarmos deslocamentos de
pessoas em massa até um determinado local, estrutura de ambiente(s)
para receber esses contingentes, recursos financeiros de grande monta
para tornar tudo isso possível e etc... Isso tudo, é claro, sem
esquecer das próprias pessoas que precisam ser convencidas a sair de
casa e participar do processo (inclusive em eleições com voto
obrigatório).
A
biometria pode ser o caminho para que as pessoas não sejam excluídas
do processo eleitoral pelo simples fato de não estarem nas suas
cidades no dia da votação, já que um banco de dados conectado à
internet e um sistema de reconhecimento biométrico pode garantir a
segurança e a lisura da eleição e ao mesmo tempo permitir que um
porto alegrense em viagem ao Amazonas possa votar em qualquer urna de
Manaus.
As
ferramentas que o Gabinete Digital disponibiliza para a população
através da internet garantem que a população possa não apenas
votar numa consulta como sugerem os que desconhecem a internet mais a
fundo, mas também opinar, dar ideias, propor, discutir, questionar e
dialogar com o agente máximo do poder executivo do RS, o governador.
A
Lei de Acesso à Informação coloca nas mãos da população
quaisquer informações referentes aos poderes públicos, sem a
necessidade do cidadão contar com a boa vontade deste ou daquele
governo em fornecê-las. Só isso já é uma grande coisa, mas essa é
só a ponta do iceberg. A grande notícia trazida pela Lei de Acesso
a Informação é o caráter aberto e a formatação bruta dos dados
disponibilizados. Com isso, qualquer cidadão ou entidade pode
desenvolver aplicativos que utilizem os bancos de dados do maior
detentor e produtor de informações do mundo: o poder público.
Essas
e outras dezenas de iniciativas existentes no Brasil e no mundo
fortalecem e legitimam os poderes constituídos na democracia
representativa. Por outro lado, fortalecem o protagonismo da
população, oferecendo canais e vias para o exercício da democracia
direta de forma mais completa e profunda. As duas coisas são
extremamente benéficas para o processo de constituição da nossa
sociedade: ampliar a democracia direta e fortalecer os poderes
representativos.
Acontece
que nem só de democracia oficial é feita a internet. As portas do
processo democrático escancaram-se quando abrimos a internet para
outras formas de exercício de poder pelo povo. A comunicação é
uma dessas formas. Nunca foi tão fácil para uma pessoa comum, de
qualquer classe, reclamar seus direitos de cidadão ou de consumidor.
Nunca foi tão fácil opinar sobre o que quer que seja quanto é
hoje. Basta criar um blog e minhas ideias estão tão acessíveis à
comunidade quanto os principais jornais do mundo. Fóruns de
discussão proliferam-se na mesma velocidade com que as pessoas
sentem necessidade de fazer parte de grupos de discussão sobre seja
lá o que for.
O
que estou tentando ilustrar é que a internet e as novas tecnologias
abrem sem qualquer precedente, novas formas de exercitarmos a
democracia de formas nunca antes imaginadas – ou no máximo
sonhadas.
É
possível construir um núcleo de debates sobre, digamos, políticas
de segurança pública, envolvendo pessoas de diversos cantos do país
com o objetivo de apresentar analises e debater o papel das nossas
polícias. Graças às novas tecnologias, esse núcleo pode reunir-se
semanalmente através de aplicações de videoconferência como se
fossem vizinhos de bairro.
A
internet conecta pessoas. A internet reduz distâncias. A internet
economiza tempo e dinheiro. A internet potencializa as relações
humanas e eleva o ativismo político a patamares super-humanos, acima
do que cada um de nós seria capaz de fazer sem ela.
Obviamente,
a tecnologia não garante nada por si só. Pelo contrário, a
tecnologia é absolutamente neutra. Entretanto, se o desejo da
sociedade for o aprofundamento da democracia, então a internet e as
novas tecnologias são a fonte na qual temos de beber largamente.
Em
tempos de ativismo digital, quem sai ganhando é a democracia.
1 comentários:
E não é que ele tá na ativa ainda?
31 de janeiro de 2014 às 14:09Como tu estas?
Parabéns!
Bjoksss
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