sábado, 17 de outubro de 2009

SARAMAGO E A IGREJA...

O termo "religião" deriva do termo latino "religare", que significa religar. O sentido da expressão "religião", para nós, avança o sentido de sua origem para uma definição de "religar à Deus". Daí, acabamos por possibilitar coisas aparentemente contraditórias, como o fato de uma pessoa crer em Deus e ser religiosa sem a necessidade de ser adepto de uma estrutura religiosa, possuindo afinidade filosófica por algumas idéias teológicas. Assim, é possível que um cristão, por exemplo, não possua religião no sentido de organização social, mas tenha nas idéias de Jesus Cristo, um "norte".

Essa semana, em Roma, onde Saramago está lançando seu mais novo livro, ele afirmou que "a insolência reacionária da Igreja Católica precisa ser combatida com a "insolência da inteligência viva". Foi mais longe e chamou o Papa Ratzinger de cínico: "Que Ratzinger tenha a coragem de invocar Deus para reforçar seu neomedievalismo universal, um Deus que ele jamais viu, com o qual nunca se sentou para tomar um café, mostra apenas o absoluto cinismo intelectual". Vale lembrar que Ratzinger é o ex-"juiz" que expulsou da Igreja Católica Leonardo Boff e outros representantes da Teologia da Libertação. Tenho ouvido muitas críticas, notadamente de católicos que sentiram-se ofendidos e atingidos pela declaração de Saramago. Sobre isso é preciso que se diga que existe uma confusão muito grande entre as filosofias e doutrinas religiosas e as organizações humanas que as seguem. Essa simbiose é maléfica, pois acabamos tomando uma pela outra.

Saramago, embora considere-se ateu - ao chamar a Igreja Católica de reacionária, não promove um ataque à religião ou à Deus, propriamente dito. Saramago tece uma crítica pertinente - que pode-se concordar ou não - às estruturas religiosas que possuem muitos nomes e que no caso dos católicos chama-se "Igreja".

A "ética e a moral da religião", como alguns consideram atacadas por Saramago, não são determinadas pelo Papa, nem pelos padres, nem por outros sacerdotes de outras religiões. Estes, ao contrário, é que colocam em sério risco a "ética e a moral da religião" ao decidir afirmar as suas limitadas e imperfeitas interpretações e conclusões sobre a vida como sendo a "opinião divina". A frase de Saramago repetida onde ele cita "supostos representantes de Deus na Terra", poderia muito bem ter saído da boca de um historiador referindo-se aos faraós egípcios.

Todos sabemos que os faraós egípcios "usurpavam" - assim como alguns reis absolutistas o fizeram na Europa - essa posição para garantir a supremacia de sua palavra ante seus iguais. Seus IGUAIS. O Papa - e todos os representantes e sacerdotes de TODAS as estruturas religiosas são IGUAIS a toda e qualquer pessoa, dotados da mesma capacidade intelectual e falíveis da mesma forma que qualquer pessoa.

A "ética e a moral da religião" é algo bastante pessoal. Nem a ética nem a moral de qualquer religião serão as mesmas para dois de seus adeptos. Eu, particularmente, sou espírita. E como espírita, posso afirmar, tal qual Saramago, que a verdade é ofendida sim, por supostos representantes de Deus na Terra, inclusive quando se trata de algumas "lideranças" do movimento espírita. Ao dizer isso, ataco a ética e a moral do Espiritismo? Não, claro que não. Ao dizer isso, apenas afirmo que as estruturas humanas são falíveis e imperfeitas. Afirmo que algumas vezes elas podem se tornar reacionárias e inimigas da verdade. A ética e a moral de religar-se a Deus é algo bem mais profundo que um título sacerdotal.

O Cristianismo possui coisas ética e moralmente muito belas. Entretanto, somos conhecedores de tudo o que a ESTRUTURA RELIGIOSA CRISTÃ foi capaz ao longo da história.

As doutrinas religiosas são algo salutar e positivo na humanidade. Mas sobre as suas humanas estruturas, estou com Saramago: "As insolências reacionárias da Igreja" assim como de outras estruturas religiosas "precisam ser combatidas (...) Não podemos permitir que a verdade seja ofendida por supostos representantes de Deus na Terra".

3 comentários:

Achel Tinoco disse...

Caro amigo, seu artigo é brilhante, não bastasse sou um leitor apaixonado de Saramago, já li praticamente todos os seus livros e assino em baixo também quando ele fala da igreja. Acontece que a humanidade por várias razões aprendeu a não questioná-la, temendo talvez o inferno. Mas convenhamos, Saramago foi exato quando disse que Deus é o silêncio do universo e o homem é quem sustenta esse silêncio. Verdade verdadeira. Li a entrevista quando ele critica severamente o papo, está coberto de razão, afinal somos sempre tratados como animais domesticados e desprovidos de inteligência pela igreja e pelo papa. Assim, parabenizo-o pelo texto. Um abraço

19 de outubro de 2009 às 19:59
LP disse...

Você diz:
"A "ética e a moral da religião", como alguns consideram atacadas por Saramago, não são determinadas pelo Papa, nem pelos padres, nem por outros sacerdotes de outras religiões. Estes, ao contrário, é que colocam em sério risco a "ética e a moral da religião" ao decidir afirmar as suas limitadas e imperfeitas interpretações e conclusões sobre a vida como sendo a "opinião divina"."

Se a ética e a moral religiosa não é exemplificada por aqueles que mais tem contato (na verdade vivem disso) com a religião, então é lógico que ética e moral são TOTALMENTE independentes do quão religioso você é. Assim, pra que ser religioso se isso não afeta nem sua ética, nem sua moral? Será que já não nascemos com uma moral dentro de nós? Então porque os índios não se matam? Porque eles não se estupram uns aos outros ou comem-se uns aos outros quando sentem fome?

Veja o qual irracional é dizer que ética e moral tem a ver com religião!

Se você aprovou esse comentário e colocou em seu blog posso concluir que pelo menos honesto você é, e não deseja enganar ninguém. Mas do contrário, que minhas palavras ao menos lhe façam refletir sobre sua honestidade.

Um abraço!!!

4 de janeiro de 2010 às 19:24
Mirgon Kayser Junior disse...

Caro LP (a quem desconheço a identidade),

Ética e moral PODEM ser independentes do quão religioso tu és, principalmentes se estivermos falando de um ateu. Mas também PODEM estar intrínsecamente conectados com o quão religioso tu és, se acreditares na existência de um Deus, ou mesmo de uma consciência cósmica original (diferente do conceito hegemonizado pelo Deus católico, por exemplo).

O texto em questão não é um tratado sobre ética e moral em suas variantes, e sim, uma opinião acerca das declarações de Saramago - e as respectivas reações da Igreja - sobre a estrutura da Igreja católica e seus conceitos éticos e morais. Portanto, ética e moral da religião. Portanto, a ética e a moral que religam o sujeito àquilo que compreende como Deus, em sua intimidade.

Ética e moral podem sim, ter toda a relação com a religiosidade. Os índios, por exemplo, em toda a extenção da América, sempre foram povos religiosos. Todos com suas próprias concepções de seus deuses. E assim como os índios americanos, os povos africanos, asiáticos, oceânicos...

Acredito que não tenhas compreendido bem o sentido a que se referia o texto. Mas da próxima vez, procure identificar-se, pois "LP" o mantém no total anonimato. E procure ser menos agressivo. Todos os comentários neste blog são aprovados, contanto que não sejam utilizadas palavras de baixo calão.

Não sou um pregador, apenas apresento minhas opiniões e procuro fomentar o debate. Se os leitores do blog discordam de minhas posições, tem total liberdade de faze-lo aqui mesmo e suas opiniões serão respeitadas e publicadas. Não é preciso questionar minha honestidade para conseguir que um comentário seja publicado.

Abraço,

Mirgon

7 de janeiro de 2010 às 20:54

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