domingo, 14 de março de 2010

AS TRAVAS, OS BANHEIROS E OS NOSSOS PRECONCEITOS

Afinal, o que define um homem e uma mulher? Se alguém recitar o mantra reducionista de que "homens tem pênis, mulheres tem vagina", estará ignorando outros tantos fatores de peso igual ou mesmo superior a esse.

As pessoas possuem personalidade. A personalidade molda quem a pessoa é, incluindo a sua sexualidade e, também, o seu gênero. Essa é a formatação da sua identidade interior.

As pessoas possuem identidade visual, reflexo de toda a construção da sua personalidade, incluindo aí, os reflexos oriundos das características de gênero assumidas pelo indivíduo. Dessa forma, mesmo diante de toda a gama de variantes visuais possíveis de serem imaginadas, sempre identificamos os indivíduos como sendo masculinos ou femininos. Depois abrimos outras identificações tribais, geracionais, etc...

Portanto, nós identificamos o masculino e o feminino sempre, e o fazemos partindo do conjunto de características visuais e espirituais do indivíduo. Não identificamos o gênero a partir de órgãos genitais.

Como uma pessoa que vive como uma mulher, pensa como uma mulher, comporta-se como uma mulher, veste-se com uma mulher - e em muitos casos adquire corpos de mulher, através de hormônios e cirurgias - pode ser debilmente classificada como sendo um homem?

Esse conjunto de características não pode, nas complexas relações humanas, estar subordinado aos órgãos genitais. E mesmo essa subordinação é relativa e escalonada, pois com o advento das cirurgias de mudança de sexo, em tese, pelo menos essa transsexual deveria ser reconhecida como uma mulher, e no entanto, não é. Na falta do argumento do órgão, nosso preconceito pauta o que? A conformação física original do indivíduo?

Se assim fosse, não chamaríamos borboletas por borboletas, e sim, por crisálidas. Lógico que a analogia com o processo das borboletas não é absoluta, mas não fica distante. É possível encarar a adolescência, etapa final do processo de construção da auto-identidade, como a fase da crisálida, o momento em que os jovens tomam consciência do que são de fato, nos mais variados campos da individualidade. Organizam sua vida adulta, sua fase borboleta, em todos campos, incluindo profissional, sexual, etc... No caso dos meninos, nessa fase de “crisálida”, muitos descobrem-se como sendo femininos e não masculinos. Aqui não falo de sexualidade, falo de gênero mesmo. Descobrem também sua sexualidade e o gênero pelo qual sentem-se atraídos, mas me refiro a descoberta de seu próprio gênero.

A sexualidade é uma outra questão que não cabe discutir aqui. Apenas ressalto que são discussões diferentes, uma vez que um homem pode ser homossexual sem que isso signifique descontentamento em relação à sua condição masculina, o mesmo acontece com as mulheres. Temos aí o exemplo da menina gay que participou do BBB, a Morango. Ela é gay, mas não questiona sua feminilidade, pelo contrário.

Agora entro na questão central do título desse artigo, ou seja, a hipocrisia e o preconceito contra as travestis e transsexuais, materializados na utilização de banheiros.

Essa questão de banheiros parece ser bem simples, existe o banheiro masculino e o banheiro feminino. Mas como em tudo, a humanidade consegue tornar tudo complexo. Que banheiros gays, lésbicas e travas devem utilizar?

A resposta me parece óbvia: gays o masculino e lésbicas o feminino, uma vez que suas identidades de gênero são, respectivamente, masculina e feminina.

As travas, evidentemente, tem que usar o banheiro feminino, uma vez que suas identidades de gênero são femininas. As travas são e devem ser reconhecidas como mulheres na concepção de gênero, portanto, o banheiro é sim, o feminino.

Lamentavelmente, as travas sofrem todo tipo de discriminação e violência moral. Comumente, as travas são obrigadas a utilizar o banheiro masculino, ferindo gravemente sua própria dignidade, num lamentável atentado contra seus direitos humanos.

A poucos anos, em Nova Iguaçu, no RJ, houve uma tentativa completamente atrapalhada e desnorteada de solucionar o problema através de “banheiros alternativos”, onde os estabelecimentos comerciais deveriam adaptar-se para ter um terceiro banheiro, designado para gays, lésbicas e travas.

Apesar de possivelmente bem-intencionada, a proposta era a tragédia total, uma vez que segregava algo que encaixa-se ao natural nos conceitos feminino ou masculino, como se fosse uma “terceira coisa”, gerando um processo que lembraria muito a África do Sul do Apartheid. Para além disso, a proposta do banheiro misturava a questão de gênero com a sexualidade do individuo como se fossem tudo a mesma coisa.

Soluções miraculosas não existem. Aliás, o caminho é somente um: derrotar a hipocrisia através do parlamento, com a definição legal de que as travas devem utilizar o banheiro que corresponde à sua identidade de gênero, portanto, o feminino.

Parece só um detalhe bobo, mas é nos detalhes que o preconceito se fortalece ou é derrotado.

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