domingo, 28 de março de 2010

UM PEQUENO BALANÇO

Pretendia fazer um pequeno balanço deste blog daqui quatro meses, quando completa dois anos no ar. Resolvi antecipar esse balanço ao verificar, no espaço de poucos dias, por duas vezes, a impactante realidade de que ainda somos incapazes de, via de regra, sermos humanos.


Poucos dias atrás estive numa atividade de apresentação do relatório da CPI do Sistema Carcerário. O que vi, num vídeo de 25 minutos e li no relatório de 620 páginas é, de longe, muito pior do que as masmorras dos filmes de fantasia medieval, até de certa forma, romantizadas no cinema. Torturas físicas e psicológicas, maus-tratos, desvios de verbas, animalidade, doenças, sadismo de policiais, agentes penitenciários e diretores de presídios, ignorância, desconhecimento público, descaso de executivos e parlamentos estaduais, são algumas das mais leves definições que o material expõem. Sugiro a todos que entrem em contato com esse material.


Poucos dias depois tive a decepção de constatar que 40% das pessoas que votaram na enquete que o blog propôs sobre a utilização dos banheiros femininos por transexuais, indicaram que elas devem utilizar o banheiro masculino. Confesso, sinceramente, não compreender muito bem o raciocínio dos que defendem essa opinião, mas com certeza consigo detectar novamente a ignorância e o sadismo que se locupleta na humilhação dos diferentes.


Diante desses fatos e encorajado pelo fato de não ter escrito nada quando o blog completou seu primeiro aniversário, faço agora, atrasado do primeiro e adiantado do segundo.


No rastro do texto sobre os nossos preconceitos na questão dos banheiros, uma trans perguntou se eu era gay. Respondi que não. Sua réplica foi esclarecedora sobre o quanto a luta contra a homofobia é restrita, em geral, aos que sofrem a discriminação. Ela questionou: “E tu não tens receio de ser taxado?”


Taxado? Sou taxado a cada texto que escrevo, a cada idéia que defendo, a cada noite que me perco em sua penumbra, ao apagar das últimas janelas, quando o silêncio da madrugada trás a paz necessária para a reflexão. Nem sei quantas vezes amigos e amigas entraram no “messenger” ou no “skype” de madrugada e perguntaram “acordado?” e tiveram como resposta, “não, escrevendo”. Para escrever sobre política, principalmente quando se trata de questões apartidárias e não-econômicas ou exatas, é necessário não estar acordado, e sim, imerso em um mar de si mesmo, sincero sobre o fato de que não pode compreender aquilo que não se é, senão partindo da limitada visão oferecida por sua própria essência.


Ao longo destes dois anos defendi o fechamento de Guantánamo e fui chamado de “filhote de Fidel” por isso, como se eu fosse favorável aos porões de prisioneiros políticos da ilha de Cuba. Talvez lá atrás, quando comecei minha militância, quando aprendi sobre a ditadura do proletariado, um tempo em que eu ainda desconhecia o humanismo.


Defendi um Estado Palestino e o fim da covardia Israelense. Nesse caso recebi e-mails de judeus bastante ofensivos – uma judia em especial desejou que eu “morresse vítima de um dos foguetes que eu deveria estocar em casa, para ajudar os terroristas”.


Fui chamado de abortista e defensor de gonocídeos por defender que aquela menina de 9 anos, estuprada e grávida de gêmeos, que correria risco de vida se desse sequência à getação, pudesse realizar um aborto.

Denunciei abuso de redes de lojas contra idosos, assim como defendi um projeto mais qualificado de infra-estrutura de desenvolvimento sob o prisma ambiental.

Muitas vezes defendi o governo Lula e suas políticas, notadamente a política internacional em curso atualmente no país, à qual considero praticamente irretocável, embora pequenos escorregões como as declarações infelizes feitas na última visita à Cuba.


Muitas vezes critiquei o governo Yeda no RS, pois coloca-se contra tudo aquilo que sempre defendi. Entretanto, sempre critiquei as políticas implementadas e os casos de corrupção escancarados – e até homicídios mal-explicados – como ocorreram tanto na esfera estadual, quanto na esfera municipal, com o secretário de saúde Eliseu Santos, envolvido nas investigações de desvio de recursos no Governo Fogaça em Porto Alegre.

Aliás, sobre esse caso, tive a oportunidade de entrevistar Marcos Rolim, um momento de grande satisfação durante esses dois anos em que este espaço está no ar, uma vez que tenho grande admiração pelas teses defendidas pelo ex-deputado e ex-companheiro de partido, mas ainda companheiro de luta em prol dos direitos humanos.


Embora o flerte perigoso de defender ou criticar governos, nunca permiti que o blog se prestasse à disputa político-partidária como um fim em si mesma. Nunca permiti que este espaço se tornasse uma ferramenta demagógica e eleitoral.


Nunca escondi dos meus leitores que sou militante do PT, mas sempre deixei claro aos meus companheiros de partido que este é um espaço de reflexão política e não de proselitismo eleitoral.


Quando situações como o questionamento daquela trans ocorrem, percebo o quanto os Direitos Humanos são relegados à uma categoria de luta inferior – afinal, não é fácil transformar o trabalho em votos. Defender Direitos Humanos é necessariamente comprar brigas. Quem quer comprar brigas quando precisa de votos?


Dia destes ouvi – infelizmente de um companheiro – que “não dá pra falar de feminismo, pois perde votos entre os homens”. Nessas horas eu penso sobre como a política precisa daqueles que vêem o voto como uma conseqüência e não como um fim. De que adianta ganhar votos se a política defendida no mandato não poderá ser transformadora da realidade? Se a política defendida no mandato não comprará briga por mudanças na sociedade em todos os níveis, inclusive nos níveis mais obscuros da natureza humana, vale dizer, onde estão nossos preconceitos?


De que vale a política senão para avançarmos como sociedade e como humanidade? Mas como avançar sem contrapormos o senso comum e o conservadorismo? Como avançar se fecharmos os olhos e considerarmos “natural” que uma transexual seja impedida de vestir um vestido de prenda e vá dançar musicas gauchas em um CTG?


Como avançar se não estufarmos o peito para dizer que cada homem que pratica algum ato de machismo está errado e que as mulheres são tão plenas de direitos quanto os homens?


Como avançar quando nossos evitamos nos envolver em polêmicas como a defesa dos direitos de negros, índios, travestis, prostitutas, crianças, adolescentes, jovens, velhos, mulheres, pessoas com algum tipo de necessidade especial, presidiários – afinal a defesa desses grupos trás antipatia de outros e, quase sempre, não reproduzem os votos que o clientelismo produz?


Tenho a humildade de reconhecer que esse espaço não passa de um filete d’água no deserto – por outro lado, ele permanece teimosa e corajosamente pingando no deserto, assim como outros tantos filetes como esse procuram transformar o deserto em mar, a desumanidade em humanidade e a ignorância com o desconhecido em respeito á diferença.


Sonhar não custa nada. Lutar pelos sonhos, é correr o risco de realizá-los.

2 comentários:

Cris disse...

Muito certo Mirgon, coincido totalmente. Não há como agradar todo mundo quando se expressa uma forma de ver o mundo e de sentir o que é certo. Mesmo que essa noção do que é certo mude para cada pessoa, conforme suas circunstâncias, sempre é válido expressar as próprias certezas, de outro modo seria cobardia ou indiferença, dois males bem piores que desagradar alguém... O fiel da balança para cada juízo que se faz devia ser a própria experiência, o sentir próprio sobre os fatos, visando que as coisas melhorem para todos.

29 de março de 2010 às 15:49
Unknown disse...

Nossos campos de concentração

A imprensa paulista se solidariza com os presos de outros Estados. Parece até que só existem abusos nos sistemas carcerários do Pará, do Espírito Santo ou de outros rincões “atrasados”, que confirmam nossa superioridade civilizatória.
São Paulo possui masmorras ignóbeis, onde os funcionários de José Serra trucidam pessoas com todo tipo de violência. Crianças inclusive. E doentes terminais. E gestantes. E, claro, inocentes. São violações de direitos humanos suficientes para chocar os bons moços da ONU.
Mas alguém precisaria denunciá-las. Não o jornalismo humanista, que prefere evitar esse lodo, próximo demais para parecer tolerável. Nem o Congresso, que conseguiu neutralizar uma incômoda CPI sobre o assunto. Tampouco os juízes responsáveis, que veriam suas carreiras arruinadas pelos vigilantes da democracia.
A conivência da sociedade com esses absurdos remete aos momentos mais vergonhosos da história mundial. E não, ninguém poderá dizer que não sabia.

29 de março de 2010 às 16:40

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