sábado, 29 de maio de 2010

A Imprensa e a morte de Eliseu Santos – Mirgon no Jornalismo B

 

(Esse texto foi escrito como minha colaboração ao Blog Jornalismo B, que convidou-me a fazer uma análise sobre a imprensa – O texto original pode ser lido em Jornalismo B

Essa semana foi de novidades na investigação sobre o assassinato de Eliseu Santos, ex-secretário de saúde de Porto Alegre. Causa estranheza o pouco destaque dado ao indiciamento de José Carlos Brack, presidente do partido de Eliseu, como possível envolvido na morte do ex-secretário.

Desconheço as razões para tal silêncio, mas é inegável o comportamento “estranho”  que a mídia tem apresentado desde a fatídica noite de sexta-feira em que Eliseu foi alvejado na escura rua lateral do Bairro Floresta em Porto Alegre.

Aos de memória curta, cabe um breve resgate: Nas primeiras horas da madrugada que sucederam a morte de Eliseu, a imprensa toda escandalizava-se pesarosa com a violência do ato que classificavam como execução. Todas as lideranças políticas entrevistadas naquela noite foram interpeladas sobre o porquê da execução, inclusive. Ninguém aventava sequer a hipótese de latrocínio ou coisa que o valha, diziam não haver dúvidas de que tudo levava à execução.

Minha surpresa –  e a de muita gente que acompanhou a cobertura da madrugada –  foi a mídia ter amanhecido com outra versão na ponta da língua: O mais lógico, segundo as capas dos jornais, era que o crime seria um latrocínio, e que não haviam elementos consistentes que pudessem indicar execução.

Para mim, ao menos, é  uma interrogação as razões que levaram a imprensa a essa mudança de postura. O jornalista e ex-deputado federal Marcos Rolim dá  uma pista em entrevista concedida ao Blog do Mirgon em 03/03/2010, sobre essa questão: “Uma das razões para esta mudança foi a de que a cúpula da Polícia Civil passou a tratar o fato como latrocínio antes mesmo que houvesse investigação. Quando coisas assim ocorrem pode apostar que há encrenca. Jornalistas possuem fontes nas polícias e, quase sempre, não mantém uma postura independente diante delas. A falta de formação na área e os laços de amizade e confiança que os setoristas vão construindo com suas fontes fazem com que, muitas vezes, os jornalistas se transformem em assessores de imprensa das polícias sem que se deem conta disso”.

Não bastasse a postura estranha da imprensa, ainda existe a postura estranha da Polícia Civil: Encerrou o inquérito investigativo em apenas cinco dias, apresentando como certo que Eliseu teria sido assassinado por uma gangue que pretendia roubar o seu carro. A tese era frágil demais para que se encerrasse o inquérito em parcos cinco dias de investigação, principalmente porque muitas perguntas ainda jaziam sem respostas.

A imprensa deu todo o destaque, desmanchando-se em elogios à “eficiência”  apresentada pela Policia Civil em desvendar o caso. O caso encaminhava-se, com desfecho correto ou não, para o fim. Teria mesmo encerrado, não fosse o Ministério Público entrar “em campo” para afirmar entendimento contrário sobre o rumo adotado nas investigações e sobre o parecer da Policia Civil.

Novamente a postura não  foi muito transparente por parte da imprensa que, de modo geral, tratou a Policia Civil como se a instituição houvesse sido ofendida pelo Ministério Público, como se este houvesse pisado sobre aquele em busca de alguns minutos de publicidade extra e gratuita.

Para o MP, a hipótese de execução não só não deveria ter sido deixada de lado pela investigação, como deveria ter sido tratada como opção prioritária. Para o MP, tudo indica que a execução de Eliseu Santos esteja ligada ao escândalo envolvendo a empresa Reação, que oferecia propina em troca da manutenção de contratos com a secretaria da saúde de Porto Alegre.

Quando mandados de prisão foram expedidos contra proprietários e funcionários considerados suspeitos de participar do planejamento da morte de Eliseu, a imprensa voltou a adotar postura veladamente crítica ao trabalho, cedendo amplo espaço ao discurso de que haviam inocentes presos e praticamente “esquecendo” de apresentar a argumentação do MP.

Depois disso, muito silêncio e poucas palavras publicadas sobre o processo de investigação que corre no MP. A notícia do indiciamento de José Carlos Brack, presidente municipal do PTB, como possível envolvido no assassinato não é qualquer notícia, assim como a denúncia do MP de que um vereador do partido na cidade participava do esquema de corrupção montado em parceria com a Reação.

São duas notícias-bomba que fazem parte do mesmo enredo que a imprensa – como ninguém  – tem capacidade de explorar como se fosse um roteiro de novela policial dos mais excitantes. O problema é que, dessa vez, a imprensa evita dar espaços maiores. Por que? Por que os jornais não noticiaram com ênfase esse novo capítulo da novela Eliseu? Por que essa insistência toda em desconstituir a investigação que vem sido feita pelo MP a meses e seguir concluindo peremptoriamente pela tese formulada “a toque de caixa”, em apenas quatro dias pela Polícia Civil, cheia de lacunas inexplicadas e informações incoerentes?

É lamentável a forma como a imprensa tem se comportado nesse episódio, mas é bastante esclarecedor, também, sobre – não apenas nesse, mas em todos os episódios envolvendo a política – o pouco compromisso que tem com a “verdade dos fatos”, expressão que adoram utilizar.  A imprensa mais do que nunca tem defendido a verdade dos pontos de vista que lhes interessarem no momento da cobertura.

* Mirgon Kayser é editor do Blog do Mirgon

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