O GOL DE DUNGA - Por Juçara Dutra Vieira
Por Juçara Dutra Vieira*
O recente episódio envolvendo a Rede Globo e o técnico da seleção brasileira, Dunga, levou-me a reler um livro do Pedrinho Guareschi sobre comunicação e poder1 . Lembro de tê-lo recomendado a meus alunos dos cursos de Letras e de Pedagogia, ainda nos anos 1980. Pedrinho relata que a prodigiosa ascensão do conglomerado está associada ao respaldo financeiro do grupo americano Time-Life, nos anos 1960. O acordo chegou a ser objeto de uma CPI, que concluiu pela sua inconstitucionalidade. No entanto, o presidente Castello Branco, ao invés de cassar a concessão, concedeu noventa dias de prazo para que a emissora regularizasse a situação... “Não houve quem pudesse segurar, desde então, a Vênus Platinada”, diz Guareschi. (1985, p. 47).
A Globo foi fiel à ditadura e só se desapegou da mesma quando o movimento pela Diretas Já ecoava por todo o Brasil, levando estudantes, intelectuais, sindicalistas, políticos, enfim, parte importante da sociedade brasileira às ruas, reivindicando a democratização do país. O processo desembocou nas eleições diretas de 1989, com Lula e Collor disputando a presidência. O que fez a Globo? Alavancou a candidatura do “caçador de marajás”, tripudiou sobre os funcionários públicos e preparou-se para apoiar a privatização do patrimônio brasileiro. Collor não resistiu à crescente politização da sociedade e renunciou para não ser cassado, mas a Globo teve a satisfação de apoiar o presidente seguinte e seu projeto privatizante.
Contra todo o esforço das elites brasileiras, Lula chegou ao poder. Foi quase um deboche para os donos da comunicação. Wiliam Bonner deu-se ao desplante de puxar as orelhas do candidato em um debate eleitoral promovido pela emissora. A Vênus Platinada estava vingada! Mais tarde, o apresentador desculpou-se, porém já cumprira seu papel: externar o ressentimento de classe contra o trabalhador brasileiro que ousara tornar um dos seus nada mais nada menos que presidente da república.
O Governo Lula não arriscou ou avaliou que não teria sustentação política para enfrentar a poderosa Globo. Assim, ela teve renovada a concessão que lhe permite expandir e consolidar seu império. Aí, nesse cenário em que reina absoluta, aparece um bronco para dar bronca (com a licença do trocadilho). Logo no ambiente da Copa do Mundo de futebol! Não sei se Dunga tem a dimensão do que fez, ao recusar a entrevista “exclusiva” para a rede Globo. Possivelmente, não tenha as mesmas motivações ideológicas de milhares de brasileiros que o aplaudiram. Não importa. Pôs as coisas no seu devido lugar. Foi o gol político da Copa.
* Juçara Dutra Vieira é professora, ex-presidente do CPERS e, hoje, faz parte da direção da CNTE e é vice-presidente da Internacional da Educação - órgao vinculado à ONU que representa sindicatos de educadores de 140 países.
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Obs.: Para quem tiver tempo e curiosidade, além do livro do Guareschi, Juçara recomenda a leitura das publicações de Vito Gianotti (escreve sobre comunicação e sindicalismo), bem como de alguns livros mais antigos:
PINTO, Virgílio Noya. Comunicação e Cultura Brasileira. São Paulo: Ática, 1986.
CAPARELLI, Sérgio. Comunicação de massa sem massa. São Paulo: Cortez, 1980.
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