segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

DEMOCRACIA EM TEMPOS DE ATIVISMO DIGITAL

Texto escrito por Mirgon Kayser, Assessor de Marketing na Fundação Cultural Piratini – TVE e FM Cultura, como contribuição ao caderno de textos do Curso de Extensão em Governança, Tecnologia da Informação e Comunicação na Administração Pública da Rede Escola de Governo, do Governo do Estado do RS, através da FDRH, em parceria com a Unisinos.

Tenho visto algumas discussões acaloradas entre os que defendem que a internet encerra a necessidade da democracia representativa e os que defendem que a internet não tem mais a oferecer do que permitir que os governos façam “consultas” que ao fim e ao cabo não passam de enquetes oficiais, sem agregar mais do que isso ao processo democrático.
O fato é que realmente a internet não irá acabar com a democracia representativa, entretanto está anos-luz a frente desse conceito de “enquetes oficiais” apresentado pelos que defendem que a democracia somente se faz “olho no olho”.
Em primeiro lugar é preciso resgatar a definição clássica da democracia, poder do povo (“demos” = povo, “kratos” = poder), bem como a forma como acontecia na Grécia Antiga: o poder do povo era exercido através de assembleias populares que reuniam todos os que eram considerados cidadãos (haviam exceções, como mulheres e escravos, o que não cabe aprofundar aqui).
A democracia moderna, surgida no século XVIII, trouxe novos conceitos sobre a organização democrática. Evidentemente que o modelo encontrado pelos gregos (e que pelo tamanho das cidades permitia grandes “assembleias gerais de cidadãos”) já não poderia ser cogitado. Hoje, em pleno século XXI, tendo em vista o tamanho das cidades de porte médio (nem precisam ser citados os grandes centros urbanos e estados federais), imaginar a democracia direta parece algo para o campo dos sonhos, a seara da utopia, certo? Errado.
Se a internet de fato não irá acabar com a democracia representativa, é bem verdade que as novas tecnologias já nos permitem experimentar dispositivos participativos que nada mais são do que mecanismos de democracia direta. E a tendência é que vejamos isso aprofundar-se cada vez mais.
Se Porto Alegre legou ao mundo nos anos 90 o Orçamento Participativo como uma experiência de democracia direta em um modelo muito próximo aos conceitos da democracia clássica, o Rio Grande do Sul da década de 10 do século XXI está legando ao Brasil o Gabinete Digital como uma experiência de resgate da democracia direta valendo-se largamente do casamento entre a velha utopia e as infinitas portas abertas pelas novas tecnologias.
Respeito a posição de alguns intelectuais que afirmam que o computador empobrece as relações humanas e que por isso é daninho a democracia. Respeito, mas não concordo. Essa é uma visão bastante limitada e preconceituosa. Limitada porque não percebe que a internet aproxima os distantes (e não afasta os próximos, como equivocadamente afirmam). Preconceituosa porque criam teses sobre aquilo que desconhecem.
Não há dúvidas de que a democracia direta é muito mais próxima do conceito ideal de “poder do povo” do que a democracia indireta, uma adaptação da democracia clássica para que a democracia pudesse ser aplicável na sociedade pós-século XVIII.
Lembro de ter ouvido vereadores de Porto Alegre nos anos 90 reclamando que o Orçamento Participativo era uma afronta ao parlamento municipal, pois retirava do legislativo da cidade uma de suas principais prerrogativas, que era justamente definir o orçamento municipal.
Os poderes representativos não são fins em si próprios, portanto, se fosse verdade mesmo que um mecanismo como o OP superava e tornava sem sentido o legislativo municipal, então que fosse. Afinal de contas, os poderes servem para organizar a sociedade e não a sociedade que se organiza para que os poderes possam existir. Não estamos proibidos de construir estruturas democráticas que superem velhas estruturas.
Acontece que não se trata de nada disso. Nenhum mecanismo de democracia direta ameaça qualquer um dos poderes constituídos no Estado. Pelo contrário, o que de fato acontece é a participação maior da sociedade, não apenas fiscalizando, mas debatendo, propondo, questionando e auxiliando portanto, legitimando o trabalho realizado pelos representantes nos poderes da democracia indireta.
O século XXI abre novas perspectivas na relação entre a democracia indireta e a direta. Antes a democracia estava limitada pela capacidade de “força-bruta” do país. Eleições, referendos, consultas... O próprio Orçamento Participativo demandava intensa força-bruta para que pudesse ser realizado.
Entendam força-bruta como a necessidade de mobilizarmos deslocamentos de pessoas em massa até um determinado local, estrutura de ambiente(s) para receber esses contingentes, recursos financeiros de grande monta para tornar tudo isso possível e etc... Isso tudo, é claro, sem esquecer das próprias pessoas que precisam ser convencidas a sair de casa e participar do processo (inclusive em eleições com voto obrigatório).
A biometria pode ser o caminho para que as pessoas não sejam excluídas do processo eleitoral pelo simples fato de não estarem nas suas cidades no dia da votação, já que um banco de dados conectado à internet e um sistema de reconhecimento biométrico pode garantir a segurança e a lisura da eleição e ao mesmo tempo permitir que um porto alegrense em viagem ao Amazonas possa votar em qualquer urna de Manaus.
As ferramentas que o Gabinete Digital disponibiliza para a população através da internet garantem que a população possa não apenas votar numa consulta como sugerem os que desconhecem a internet mais a fundo, mas também opinar, dar ideias, propor, discutir, questionar e dialogar com o agente máximo do poder executivo do RS, o governador.
A Lei de Acesso à Informação coloca nas mãos da população quaisquer informações referentes aos poderes públicos, sem a necessidade do cidadão contar com a boa vontade deste ou daquele governo em fornecê-las. Só isso já é uma grande coisa, mas essa é só a ponta do iceberg. A grande notícia trazida pela Lei de Acesso a Informação é o caráter aberto e a formatação bruta dos dados disponibilizados. Com isso, qualquer cidadão ou entidade pode desenvolver aplicativos que utilizem os bancos de dados do maior detentor e produtor de informações do mundo: o poder público.
Essas e outras dezenas de iniciativas existentes no Brasil e no mundo fortalecem e legitimam os poderes constituídos na democracia representativa. Por outro lado, fortalecem o protagonismo da população, oferecendo canais e vias para o exercício da democracia direta de forma mais completa e profunda. As duas coisas são extremamente benéficas para o processo de constituição da nossa sociedade: ampliar a democracia direta e fortalecer os poderes representativos.
Acontece que nem só de democracia oficial é feita a internet. As portas do processo democrático escancaram-se quando abrimos a internet para outras formas de exercício de poder pelo povo. A comunicação é uma dessas formas. Nunca foi tão fácil para uma pessoa comum, de qualquer classe, reclamar seus direitos de cidadão ou de consumidor. Nunca foi tão fácil opinar sobre o que quer que seja quanto é hoje. Basta criar um blog e minhas ideias estão tão acessíveis à comunidade quanto os principais jornais do mundo. Fóruns de discussão proliferam-se na mesma velocidade com que as pessoas sentem necessidade de fazer parte de grupos de discussão sobre seja lá o que for.
O que estou tentando ilustrar é que a internet e as novas tecnologias abrem sem qualquer precedente, novas formas de exercitarmos a democracia de formas nunca antes imaginadas – ou no máximo sonhadas.
É possível construir um núcleo de debates sobre, digamos, políticas de segurança pública, envolvendo pessoas de diversos cantos do país com o objetivo de apresentar analises e debater o papel das nossas polícias. Graças às novas tecnologias, esse núcleo pode reunir-se semanalmente através de aplicações de videoconferência como se fossem vizinhos de bairro.
A internet conecta pessoas. A internet reduz distâncias. A internet economiza tempo e dinheiro. A internet potencializa as relações humanas e eleva o ativismo político a patamares super-humanos, acima do que cada um de nós seria capaz de fazer sem ela.
Obviamente, a tecnologia não garante nada por si só. Pelo contrário, a tecnologia é absolutamente neutra. Entretanto, se o desejo da sociedade for o aprofundamento da democracia, então a internet e as novas tecnologias são a fonte na qual temos de beber largamente.

Em tempos de ativismo digital, quem sai ganhando é a democracia.

1 comentários:

Clarissa disse...

E não é que ele tá na ativa ainda?
Como tu estas?
Parabéns!
Bjoksss

31 de janeiro de 2014 às 14:09

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