segunda-feira, 19 de maio de 2014

LICENÇA IDEOLÓGICA

Todo mundo, em algum momento da vida já precisou de uma licença, seja médica, seja para resolver problemas pessoais ou, eventualmente, para tocar alguns projetos. Não é exatamente uma novidade nos afastarmos temporariamente de determinadas atribuições para assumirmos outras. A única licença que não é possível, é a licença ideológica. Não é possível tirar uma licença cujo conteúdo significa “dar um tempo nas minhas convicções”.

O caso que envolve os petistas convidados a assumir a Procempa é exatamente sobre isso. O PT de Porto Alegre compreende que a gestão em curso na prefeitura de Porto Alegre desde 2005 é equivocada sob o ponto de vista da construção permanente da cidade. Essa é a razão para fazermos oposição ao governo municipal. Temos uma outra compreensão sobre como a cidade deveria ser administrada – e é nosso dever não apenas partidário, mas cidadão, apresentar alternativas para a cidade.

Apresentar alternativas é algo completamente diferente de ingressar no governo. Apresentar alternativas significa fazer uso da nossa bancada de vereadores, eleita pela população, para travar o correto debate com o poder executivo sobre os rumos da cidade. Ingressar no governo, nos termos em que as coisas foram construídas nos últimos anos e sem que nenhum movimento por parte de Fortunati tenha sido feito para demonstrar uma alteração de rumos, é justamente abdicar das convicções que possuímos de que o governo que aí está atrasa o desenvolvimento da cidade e compromete seu futuro nos curto e médio prazos.

Há quem diga que a decisão por parte desses petistas em ingressar na direção da Procempa não é, necessariamente, a participação do partido, mas a participação de indivíduos e que se for o caso, licenciar-se do PT pode ser uma forma de deixar isso suficientemente evidente.

É aí que retorno ao início do texto: não existe licença ideológica. Um sujeito não pode abdicar das coisas que pensa. Ninguém é obrigado a fazer parte de um partido político – e quem opta por fazer deve fazê-lo por convicção ideológica e espírito coletivo. Isso significa que acreditamos na construção de uma sociedade sob determinadas premissas e que queremos nos unir a outras pessoas cujos pensamentos sejam aproximados.

Em qualquer momento da vida é possível rever a conjuntura e descobrir que, ou estava-se errado ou a conjuntura pede um novo posicionamento. De um novo posicionamento conjuntural e histórico nasceu o Partido dos Trabalhadores. Não há nada de extraordinário no fato de que, eventualmente, pessoas mudem suas perspectivas e compreendam que já não devem mais fazer parte de suas fileiras. O que existe de extraordinário é que se compreenda possível haver formas de licenciar-se temporariamente de um partido político. Seria como dito no início, “dar um tempo nas convicções”.

Se fazer parte de um partido é a forma como encontramos de dar corpo coletivo à construção de uma nova sociedade, isso também significa ter responsabilidade coletiva e respeitar esse corpo. O conjunto de filiados e filiadas do PT posicionou-se – e reafirmou esse posicionamento ao longo desses últimos 9 anos – como uma força de oposição ao governo municipal. Não há problema no fato de alguns elementos desse conjunto pensarem diferente quanto a isso. Mas há que se tomar uma decisão: respeita-se a construção democrática do partido ou opta-se pela saída. É uma questão de coerência pessoal, inclusive. Como posso fazer parte de um partido com o qual discordo a ponto de pensar em uma “licença ideológica”?

A disciplina partidária é a expressão do respeito à síntese coletiva e democrática que carrega, também, as minhas teses. Quando o conflito de ideias torna-se inconciliável, o caminho é o da ruptura natural e a desfiliação, seja ela uma iniciativa dos indivíduos ou do próprio partido. É da natureza das relações humanas. Não posso me licenciar das minhas amizades, da minha família ou de minhas convicções. Elas existem, ou não existem. Não há licença ideológica.

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