LICENÇA IDEOLÓGICA
Todo mundo, em algum
momento da vida já precisou de uma licença, seja médica, seja para
resolver problemas pessoais ou, eventualmente, para tocar alguns
projetos. Não é exatamente uma novidade nos afastarmos
temporariamente de determinadas atribuições para assumirmos outras.
A única licença que não é possível, é a licença ideológica.
Não é possível tirar uma licença cujo conteúdo significa “dar
um tempo nas minhas convicções”.
O caso que envolve os
petistas convidados a assumir a Procempa é exatamente sobre isso. O
PT de Porto Alegre compreende que a gestão em curso na prefeitura de
Porto Alegre desde 2005 é equivocada sob o ponto de vista da
construção permanente da cidade. Essa é a razão para fazermos
oposição ao governo municipal. Temos uma outra compreensão sobre
como a cidade deveria ser administrada – e é nosso dever não
apenas partidário, mas cidadão, apresentar alternativas para a
cidade.
Apresentar alternativas
é algo completamente diferente de ingressar no governo. Apresentar
alternativas significa fazer uso da nossa bancada de vereadores,
eleita pela população, para travar o correto debate com o poder
executivo sobre os rumos da cidade. Ingressar no governo, nos termos
em que as coisas foram construídas nos últimos anos e sem que
nenhum movimento por parte de Fortunati tenha sido feito para
demonstrar uma alteração de rumos, é justamente abdicar das
convicções que possuímos de que o governo que aí está atrasa o
desenvolvimento da cidade e compromete seu futuro nos curto e médio
prazos.
Há quem diga que a
decisão por parte desses petistas em ingressar na direção da
Procempa não é, necessariamente, a participação do partido, mas a
participação de indivíduos e que se for o caso, licenciar-se do PT
pode ser uma forma de deixar isso suficientemente evidente.
É aí que retorno ao
início do texto: não existe licença ideológica. Um sujeito não
pode abdicar das coisas que pensa. Ninguém é obrigado a fazer parte
de um partido político – e quem opta por fazer deve fazê-lo por
convicção ideológica e espírito coletivo. Isso significa que
acreditamos na construção de uma sociedade sob determinadas
premissas e que queremos nos unir a outras pessoas cujos pensamentos
sejam aproximados.
Em qualquer momento da
vida é possível rever a conjuntura e descobrir que, ou estava-se
errado ou a conjuntura pede um novo posicionamento. De um novo
posicionamento conjuntural e histórico nasceu o Partido dos
Trabalhadores. Não há nada de extraordinário no fato de que,
eventualmente, pessoas mudem suas perspectivas e compreendam que já
não devem mais fazer parte de suas fileiras. O que existe de
extraordinário é que se compreenda possível haver formas de
licenciar-se temporariamente de um partido político. Seria como dito
no início, “dar um tempo nas convicções”.
Se fazer parte de um
partido é a forma como encontramos de dar corpo coletivo à
construção de uma nova sociedade, isso também significa ter
responsabilidade coletiva e respeitar esse corpo. O conjunto de
filiados e filiadas do PT posicionou-se – e reafirmou esse
posicionamento ao longo desses últimos 9 anos – como uma força de
oposição ao governo municipal. Não há problema no fato de alguns
elementos desse conjunto pensarem diferente quanto a isso. Mas há
que se tomar uma decisão: respeita-se a construção democrática do
partido ou opta-se pela saída. É uma questão de coerência
pessoal, inclusive. Como posso fazer parte de um partido com o qual
discordo a ponto de pensar em uma “licença ideológica”?
A disciplina partidária
é a expressão do respeito à síntese coletiva e democrática que
carrega, também, as minhas teses. Quando o conflito de ideias
torna-se inconciliável, o caminho é o da ruptura natural e a
desfiliação, seja ela uma iniciativa dos indivíduos ou do próprio
partido. É da natureza das relações humanas. Não posso me
licenciar das minhas amizades, da minha família ou de minhas
convicções. Elas existem, ou não existem. Não há licença
ideológica.
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